T-4-2

Textos da Lusofolia

sexta-feira, setembro 16, 2005

O rumor propagou-se

O rumor propagou-se durante a tarde. A novidade, em poucos minutos, deu a volta ao bairro: Amanhã virão os helicópteros à pista do antigo aeroporto, com o seu carregamento de arroz e peixe seco. Já não era sem tempo! Em casa o arroz é racionado cuidadosamente, e contado grão a grão desde há várias semanas. E quase não nos lembramos do gosto do peixe seco. Há bem dois meses que acabou.
À noite faz-se uma comezaina, contando com o aprovisionamento da amanhã. O dobro da dose de arroz para todos. Preparei e verifiquei o estado da carroça. É preciso que ela não nos deixe no meio do caminho com o nosso carregamento de sacos de arroz e de peixe. Preveni as raparigas que estavam requisitadas desde as quatro da manhã para o dia todo. Eu sei que isso não lhes agrada nada, que elas preferem ir para a rua na companhia do seu grupo de adolescentes desocupados, sempre prontos para alguma tropelia. Mas como culpa-los? Aqui já não há trabalho, como no resto do país. Nós só sobrevivemos graças à ajuda dos países desenvolvidos. Já não há electricidade, nem água corrente, nem gaz. As casas e os prédios, que são da época em que ainda havia uma certa prosperidade, caiem em ruínas aos poucos e poucos. O sismo de 24 e depois o de 35 acentuaram ainda mais a fragilidade de todas estas construções.

Desde as quatro da manhã, uma certa efervescência foi começando a animar o bairro. Em pequenos grupos, e depois formando um cortejo de maltrapilhos, dirigimo-nos para a cidade para depois tomar o caminho do antigo aeroporto, a uma dezena de quilómetros para noroeste. Uma ligeira brisa agita o arvoredo das avenidas desertas, invadidas por arbustos, com o asfalto a desfazer-se, a maltratar as carroças, atrelados e veículos de transporte diversos. Uma surda angustia invade-nos a todos; haverá comida suficiente para toda a gente? A recordação dos tumultos infernais, verdadeiras batalhas, tiros sobre a multidão pelos militares que acompanham os helicópteros está bem presente em todos os espíritos. Claro que esses representantes dos países ricos são reverenciados, assim que abrem as portas dos aparelhos. Mas, por vezes, só há ódio para com eles, quando, rapidamente, se percebe que o carregamento é insuficiente. Desde que uma equipa de ajuda humanitária se fez massacrar uma vez nessas condições, as intervenções fazem-se sob protecção de militares. Não militares nossos, que já não há. Militares deles, bem alimentados, bem equipados, sobretudo bem armados, e nunca hesitando em atirar à mínima tentativa de manifestação da nossa parte.

Por volta das sete horas chegamos à vista do aeroporto, visível de longe, com as suas carcaças de aviões desactivados. Vindo de todas as direcções, uma multidão ruidosa aglomera-se à entrada. Os helicópteros que trazem a comida ainda não chegaram. Apenas alguns aparelhos poisados, que trouxeram os funcionários das organizações humanitárias e os militares encarregados da manutenção da ordem. Sem que seja necessário darem-nos instruções, as filas de espera vão-se formando, umas vinte, talvez. Cada fila, uma a uma, avança então pela pista, guiada pelos funcionários. Não há praticamente nenhum contacto com essa gente. A maioria, não fala a nossa língua. E nós não falamos a deles. Um roncar começa a ouvir-se no céu, para norte. São eles que chegam! Toda a gente observa as nuvens baixas, tentando distinguir a silhueta característica desses aparelhos enormes, capazes de transportar até 2oo toneladas de carga. A esquadrilha aparece enfim, saudada pelos gritos da multidão. O barulho é ensurdecedor. Uma vintena de aparelhos poisa envolto numa nuvem de poeira. A multidão, disciplinada, não se mexe. É preciso esperar a paragem completa das turbinas, esperar que as portas sejam abertas.
A distribuição faz-se sem problemas. A conjuntura favorável, muito favorável mesmo, nos países desenvolvidos, incentivou-os a aumentar a ajuda que levam aos países pobres. Hoje regressamos com bastante mais comida do que é costume receber aqui.
A algumas centenas de metros do aeroporto, uma velha tabuleta de estrada indica, à esquerda Vila Franca, em frente Lisboa. É nesta direcção que seguimos, contamos chegar lá para o fim do dia.

Ah! talvez eu deva situar a acção mais precisamente! Estamos em 2 o6o e eu tenho 8 o anos, e vivo com a minha família no lugar onde era a antiga cidade de Lisboa. Eu conheci, no final do século XX e no início deste século, a época onde a vida era ainda possível e tinha um sentido. Assisti depois, ao lento desmoronar das nossas estruturas económicas e sociais. A subida e o crescimento dos “países pobres” dessa época incitou os investidores, à procura de melhores lucros, a deslocarem-se de preferencia para esses países, em detrimento das economias europeias e norte americanas. A explosão da China como mercado activo e sobretudo a deslocação para esses países de estruturas de produção competitivas, e de um sistema de educação
formador de elites fiáveis provocou, por volta de 2035, o golpe de misericórdia
nas economias ocidentais. Não foi preciso mais que o espaço de duas gerações para que a Europa se tornasse numa região pobre, totalmente dependente da ajuda internacional.
Os funcionários da ajuda alimentar são chineses, e os militares que os acompanham são originários da federação indo-pakistano-afgã. O comissário da Organização Mundial encarregado da administração da Europa é coreano, o seu adjunto é senegalês.
Nós... nós não somos mais que uns merdas, prontos a tudo por uns sacos de arroz e alguns quilos de peixe seco.

le Visiteur

quinta-feira, setembro 15, 2005

Las guerras
dicen que ocurren por nobles razones: la seguridad internacional, la dignidad nacional, la democracia, la libertad, el orden, el mandato de la civilización o la voluntad de Dios.
Ninguna tiene la honestidad de confesar: «Yo mato para robar».
No menos de tres millones de civiles murieron en el Congo a lo largo de la guerra de cuatro años que está en suspenso desde fines del 2002. Murieron por el coltan, pero ni ellos lo sabían. El coltan es un mineral raro, y su raro nombre designa la mezcla de dos raros minerales llamados columbita y tantalita. Poco o nada valía el coltan, hasta que se descubrió que era imprescindible para la fabricación de teléfonos celulares, naves espaciales, computadoras y misiles; y entonces pasó a ser más caro que el oro. Casi todas las reservas conocidas de coltan están en las arenas del Congo. Hace más de cuarenta años, Patricio Lumumba fue sacrificado en un altar de oro y diamantes. Su país vuelve a matarlo cada día. El Congo, país pobrísimo, es riquísimo en minerales, y ese regalo de la naturaleza se sigue convirtiendo en maldición de la historia.

Los africanos llaman al petróleo mierda del Diablo.
En 1978, se descubrió petróleo en el sur de Sudán. Siete años después, se sabe que las reservas llegan a más del doble, y la mayor cantidad yace al oeste del país, en la región de Darfur. Allí ha ocurrido recientemente, y sigue ocurriendo, otra matanza. Muchos campesinos negros, dos millones según algunas estimaciones, han huido o han sucumbido, por bala, cuchillo o hambre, al paso de las milicias árabes que el gobierno respalda con tanques y helicópteros. Esta guerra se disfraza de conflicto étnico y religioso entre los pastores árabes, islámicos, y los labriegos negros, cristianos y animistas. Pero ocurre que las aldeas incendiadas y los cultivos arrasados estaban donde ahora empiezan a estar las torres petroleras que perforan la tierra.

La negación de la evidencia, injustamente atribuida a los borrachos, es la más notoria costumbre del presidente del planeta, que gracias a Dios no bebe una gota.
El sigue afirmando, un día sí y otro también, que su guerra de Irak no tiene nada que ver con el petróleo. "Nos han engañado ocultando información sistemáticamente", escribía desde Irak, allá por 1920, un tal Lawrence de Arabia: "El pueblo de Inglaterra ha sido llevado a Mesopotamia para caer en una trampa de la que será difícil salir con dignidad y con honor". Yo sé que la historia no se repite; pero a veces dudo.

Y la obsesión contra Chávez? Nada tiene que ver con el petróleo de Venezuela esta frenética campaña que amenaza matar, en nombre de la democracia, al dictador que ha ganado nueve elecciones limpias? Y los continuos gritos de alarma por el peligro nuclear iraní, nada tienen que ver con el hecho de que Irán contenga una de las reservas de gas más ricas del mundo? Y si no, cómo se explica eso del peligro nuclear? Fue Irán el país que descargó las bombas nucleares sobre la población civil de Hiroshima y Nagasaki?

La empresa Bechtel, con sede en California, había recibido en concesión, por cuarenta años, el agua de Cochabamba. Toda el agua, incluyendo el agua de las lluvias. No bien se instaló, triplicó las tarifas. Una pueblada estalló y la empresa tuvo que irse de Bolivia. El presidente Bush se apiadó de la expulsada y la consoló otorgándole el agua de Irak. Muy generoso de su parte. Irak no sólo es digno de aniquilación por su fabulosa riqueza petrolera: este país, regado por el Tigris y el Eufrates, también merece lo peor porque es la más rica fuente de agua dulce de todo el Medio Oriente.

El mundo está sediento. Los venenos químicos pudren los ríos y las sequías los exterminan, la sociedad de consumo consume cada vez más agua, el agua es cada vez menos potable y cada vez más escasa. Todos lo dicen, todos lo saben: las guerras del petróleo serán, mañana, guerras del agua. En realidad, las guerras del agua ya están ocurriendo. Son guerras de conquista, pero los invasores no echan bombas ni desembarcan tropas. Viajan vestidos de civil estos tecnócratas internacionales que someten a los países pobres a estado de sitio y exigen privatización o muerte. Sus armas, mortíferos instrumentos de extorsión y de castigo, no hacen bulto ni meten ruido. El Banco Mundial y el Fondo Monetario Internacional, dos dientes de la misma pinza, impusieron, en estos últimos años, la privatización del agua en dieciséis países pobres. Entre ellos, algunos de los más pobres del mundo, como Benín, Niger, Mozambique, Ruanda, Yemen, Tanzania, Camerún, Honduras, Nicaragua. El argumento era irrefutable: o entregan el agua o no habrá clemencia con la deuda ni préstamos nuevos. Los expertos también tuvieron la paciencia de explicar que no hacían eso por desmantelar soberanías, sino por ayudar a la modernización de los países hundidos en el atraso por la ineficiencia del Estado. Y si las cuentas del agua privatizada resultaban impagables para la mayoría de la población, tanto mejor: a ver si así se despertaba por fin su dormida voluntad de trabajo y de superación personal.

En la democracia, quién manda? Los funcionarios internacionales de las altas finanzas, votados por nadie? A fines de octubre del año pasado, un plebiscito decidió el destino del agua en el Uruguay. La gran mayoría de la población votó, por abrumadora mayoría, confirmando que el agua es un servicio público y un derecho de todos. Fue una victoria de la democracia contra la tradición de impotencia, que nos enseña que somos incapaces de gestionar el agua ni nada; y contra la mala fama de la propiedad pública, desprestigiada por los políticos que la han usado y maltratado como si lo que es de todos fuera de nadie. El plebiscito del Uruguay no tuvo ninguna repercusión internacional. Los grandes medios de comunicación no se enteraron de esta batalla de la guerra del agua, perdida por los que siempre ganan; y el ejemplo no contagió a ningún país del mundo. Este fue el primer plebiscito del agua y hasta ahora, que se sepa, fue también el último.

"Las guerras mienten"
Por Eduardo Galeano